2025-12-12
A Grande Batalha Aritmética de 11 de Dezembro
2025-12-11
Greve Geral
Ah, caros concidadãos. Que época magnífica para se estar vivo, empregado e ligeiramente desesperado em Portugal. O ar está carregado de promessa. Não a promessa de um futuro melhor, mas aquela promessa pesada e húmida que precede uma trovoada — neste caso, uma greve geral. E no centro desta tempestade perfeita, ergue-se, como um monumento à sagacidade burocrática, o nosso flamante Novo Código do Trabalho.
Os arautos do progresso, aqueles que usam fatos de linho em reuniões com ar condicionado, batizaram-no de "Moderno". "Flexível". "Competitivo". Palavras tão reluzentes e ocas como os prédios de vidro onde são proferidas. A modernidade, claro, não está em garantir que um trabalhador consiga pagar uma renda e comer algo mais sofisticado que atum de lata no mesmo mês. Não, senhor. A modernidade está na sublime arte de transformar direitos adquiridos com suor e protesto em meras "sugestões" negociáveis.
Olhe para a joia da coroa: o tal "banco de horas anualizado". Uma invenção tão brilhante que só podia ter sido concebida por alguém cuja maior fadiga laboral é carregar o cartão de crédito corporativo. A ideia é simples e bela na sua perversidade: as horas extra não são para pagar, são para "gerir". Trabalha 60 horas numa semana a apagar fogos? Excelente! Na semana seguinte, folga uma tarde. Chama-se "equilíbrio". Eu chamo-lhe a versão laboral de fiado. É a uberização do emprego estável: você é o seu próprio mini-empresário, sempre à beira da falência de energia física.
E depois temos a facilitação dos despedimentos. Outro triunfo da linguística orwelliana. "Facilitação" soa tão bem, tão fluida. Como "facilitar o fluxo do trânsito" ou "facilitar a digestão". O que se está a facilitar, meus amigos, é o passe do patrão para lhe mostrar a porta com um custo que deixou de ser proibitivo para se tornar um mero inconveniente contabilístico. A mensagem subliminar é clara: "Sorria, seja produtivo e não aborreça, senão facilitamos a sua transição para o estatuto de ex-colaborador."
E, claro, a desregulamentação dos horários de trabalho. Adeus, tetos rígidos de horas por dia! Olá, "adaptabilidade"! Porque o que o trabalhador português, já especialista em fazer milagres com um salário mínimo, realmente queria era a nobre incerteza de não saber se hoje sai às 18h ou à meia-noite. É uma injeção de adrenalina na rotina! Quem precisa de planear uma vida familiar, de ir ao ginásio, ou simplesmente de desligar, quando se pode viver na emocionante expectativa de um email do chefe às 21h?
Perante este festival de boa-vontade patronal, a resposta sindical era inevitável: uma Greve Geral. Aquela tradição portuguesa tão nossa, tão bela no seu caos coreografado. Os mesmos profetas do apocalipse económico que nos venderam o Código como a salvação, agora torcem as mãos e lamentam a "intransigência" e o "atraso". É de uma ironia deliciosa. Esperavam o quê? Que oferecessemos rosas e bolos a esta reforma que cheira a velha receita de espremer até à última gota? A greve é o soluço seco de um país que já engoliu muitos sapos e se apercebeu de que este vem com um fato de três peças e uma calculadora.
No fim, o espetáculo é perfeito. De um lado, o Governo e os seus apóstolos, a falar de "atrair investimento" com a doçura salivar de quem vende um país-usado. Do outro, os sindicatos, a berrar "Atentado social!" com a fúria ritual de quem sabe que está sempre a perder terreno, mas não pode admiti-lo. E no meio, nós, a plebe assalariada, a tentar decifrar se esta "flexibilidade" toda é a corda que nos vai safar do poço ou a que vão usar para nos amarrar melhor.
O futuro promete. Promete cansaço. Promete instabilidade. Promete aquele brilho especial no olho do patrão quando se lembrar que, tecnicamente, você agora pertence à empresa 24 horas por dia, sete dias por semana. Se tudo correr como planeado, seremos a força de trabalho mais "moderna" e "flexível" da Europa.
Completamente exaustos, mas moderníssimos.
E pronto. Afinal, como dizia o outro, o trabalho liberta. Agora, literalmente, até das suas próprias horas de descanso.
2025-12-10
A Eurovisão da moral relativista
Oh, meus amantes do kitsch e do conflito geopolítico disfarçado de festival da canção! Que alegria ácida nos traz esta edição da Eurovisão, que promete ser menos um concurso musical e mais uma simulação avançada da ONU — se a ONU tivesse key changes, pirotecnia barata e coreografias que parecem ter sido ensaiadas num parque de estacionamento do Ikea.
O cenário está montado: estamos todos numa arena brilhante, prontos para celebrar a união através da música, o poder redentor de uma power ballad em falsete, e a inquebrantável tradição europeia de fingir que gostamos de ethno-trance da Moldávia. Mas este ano, a cortina de glitter esconde uma tensão mais densa que o sotaque dos comentadores italianos. Porque, caros amigos, a Eurovisão decidiu, com a coragem moral de uma lebre em câmara lenta, que há boicotes que são trendy e há boicotes que são… inconvenientes.
De um lado, temos as várias delegações que se retiraram ou ameaçaram fazê-lo. Países que decidiram que a sua consciência não lhes permite brilhar ao lado de um participante que representa um Estado acusado de violações dos direitos humanos. É uma posição nobre, sem dúvida. Faz lembrar aqueles amigos que se afastam de uma festa porque discordam do anfitrião, mas só depois de garantirem que aparecem nas fotos iniciais para o Instagram. A sua ausência será sentida e a contribuição para o orçamento também.
E do outro lado, no centro do furacão, Israel mantém-se. Com direito a spotlight, a votações do público, e provavelmente a uma act cheia de simbolismo ambíguo sobre "luz após a escuridão" ou "esperança além do medo". A União Europeia de Radiodifusão (UER), essa entidade cuja neutralidade é tão flexível quanto as regras do que constitui uma "canção", coça a cabeça, consulta manuais de relações públicas de 1992, e anuncia: "Cumpre os critérios!" Os critérios, claro, são uma coisa misteriosa e movediça, como a definição de "bom gosto" numa atuação da Sérvia. Incluem não ter letras explicitamente políticas (a menos que sejam suficientemente vagas), não incitar ao ódio (a menos que seja feito com uma melodia cativante), e não violar a "natureza apolítica do evento" — uma piada tão grande que merecia a sua própria novelty act.
E assim se constrói o paradigma Eurovisivo 2025: podemos expulsar a Rússia com o fervor de um key change dramático (e com toda a razão, diga-se), mas perante Israel, a resposta oficial é um shrug sonoro acompanhado de um "É complicado, queridos." É a política do "Um Apartheid Não Se Faz Em Um Dia" aplicada à indústria do entretenimento. A mensagem é cristalina: há conflitos que mancham a aura de paz e amor do evento, e há conflitos que… bem, que podem pelo menos gerar engagement nas redes sociais e umas quantas manchetes dramáticas. Ratings, meus caros, ratings!
Então preparemo-nos para a noite final. Enquanto os fãs acenam bandeiras e choram com as baladas, e os jurados trocam votos de forma suspeitamente geopolítica, a realidade lá fora — de morte, destruição e sofrimento inimaginável — será temporariamente suspensa. Será substituída por três minutos de pop otimista, uma coreografia sincronizada e a host sorridente a dizer, em inglês perfeito: "Que a música una-nos a todos!"
A ironia é tão espessa que se poderia cortá-la com uma faca de plástico da merchandising oficial. A Eurovisão, esse farol de kitsch e convivência, revela-se, uma vez mais, o espelho mais honesto do nosso continente: incapaz de tomar uma posição clara quando o custo é alto, especialista em criar palcos onde a dissonância cognitiva soa como uma melodia harmoniosa.
Portanto, sentem-se, peguem nas bandeirinhas e nas lágrimas fáceis. Vamos aplaudir a coragem da UER em manter o status quo. Vamos celebrar a união através da música. Mas não se esqueçam: nesta edição, o background mais impressionante não será a LED wall. Será o silêncio ensurdecedor sobre o que realmente está em jogo.
E o vencedor é… a hipocrisia, com 12 pontos de todos os jurados.
2025-12-09
Intervenção
"A extrema direita que eu assumo é ter na mão direita um punho que carrega uma caneta
Voz armada com bala de chumbo, tiro seguido de fumo, sou mulher e sou poeta
Querem voltar atrás no tempo, plantar o medo cá dentro, gritam "Deus, Pátria е Família"
E um marido que traga sustento ou mais um olho cinzento, diz quе foi contra a mobília"